sábado, 26 de fevereiro de 2011


Porque eu também tenho uma missão na vida: anotar os lugares de areia branca, voo rasante de passarinho, todos os modos do sol. Tenho tanto que fazer no almoxarifado da humanidade.

Adélia Prado, Solte os cachorros

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A fundo perdido

When two people fall in love, and begin to feel that they are made for one another, then it is time for them to break off, for by going on they have everything to lose and nothing to gain.
Søren Kierkegaard


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011


Enlouquecidos pela dor
Cobrimo-nos com o barro das palavras

Ana Hatherly, “Utopias privadas”

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Para uma espécie de corpo inenarrável


Minha irmã é que nasceu a falar
de um derramamento colossal
da solidão.

As mulheres, é espesso perfume lembrá-lo,
têm ângulos ausentes no que vêem e no que falam nas ocultas

nebulosas do seu corpo
o amante adivinha como um homem traído.

Assim assim mesmo: nessa penumbra de metal candente
anseia-se, decai a ansiedade

e a mulher (Ila, imã de Ilo o mundo, a minha irmã),
que é repouso vasto enfurecido
corre a apanhá-los.
ao espelho, à flor,
da cintura irrompendo como de um jardim
para uma espécie de corpo inenarrável.

Luiza Neto Jorge, “Recanto 13”
Foto: Erin Mulvehill

domingo, 13 de fevereiro de 2011


We’re all products of what we want to project to the world. Even people who don’t spend any time, or think they don’t, on preparing themselves for the world out there—I think that ultimately they have for their whole lives groomed themselves to be a certain way, to present a face to the world.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Habito um corredor onde os relógios pararam nas 15:20. Todos os dias leio demais. A escrita vem sempre tarde, e às postas. O corredor que habito fumega de gente, homens de barba antiga, de vez em quando um rapaz daninho, muitas mulheres que por ali passam das oito às quatro, à pressa, ansiosas pelas casas com panelas de arroz agulha. Os dias pairam iguais no centro do corredor, uma bolacha redonda que se vai ruminando em volta. O caminho, esse, é só um, em frente e ao comprido. Se por acaso segue ao redor das papoilas, logo se malfada. Às vezes ataca-me como uma serpente, e mal ele sabe o quanto eu quero o seu veneno. Leio demais. A escrita não vem. Doem-me as mãos, de tanto vasculhar nas goelas dos dias. O coração bate em lugares estranhos. São três facas e uma morte à espera. Arde lenta, a tesoura nupcial, visível mas embutida no pulso. Desengane-se quem aqui procura a redenção. Perseguir ouriços mata. A escrita não vem. Valham-me os braços caravela – lá fora há-de haver vento, e as panelas têm tanto arroz.      

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A Poet is the most unpoetical of any thing in existence, because he has no Identity – he is continually in for – and filling some other Body – The Sun, the Moon, the Sea and Men and Women who are creatures of impulse are poetical and have about them an unchangeable attribute – the Poet has none; no identity – he is certainly the most unpoetical of all God’s creatures.

John Keats, “A Letter to Richard Woodhouse” (1818)

(Já agora, Cf. ...)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011



This otherness, this
“Not-being-us” is all there is to look at
In the mirror, though no one can say
How it came to be this way. A ship
Flying unknown colors has entered the harbor.

John Ashbery, “Self-Portrait in a Convex Mirror”
Foto: Maia Flore

domingo, 6 de fevereiro de 2011

As palavras aproximam (o silêncio ainda mais...)


Amando muito muito
ficamos sem palavras


Ana Hatherly, "As palavras aproximam"

Foto: Lukasz Wierzbowski

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011


Hoje às dez horas pinto as mãos. De todas as cores, não de nenhuma. Vou lentamente afogá-las num tinteiro. Primeiro os dedos, depois as covas, as linhas e os montes, até ao pulso. Até ao osso. Frio. Há-de ser fria, a tinta, e frias, as mãos, pois deixarão de ser mãos de massa e de flanela. Hão-de ser mãos de corte. Mãos de faca. Não mais roubadas às horas de fremente urdidura. Serão invisíveis de tão visíveis e sonoras. Indistintas das paredes, do silêncio, das gerberas nessa jarra, do negrume seco da janela. De ti. Da tua pele. Todas as cores, não de nenhuma. E vão gritar, as minhas mãos. E vão pingar, estalactites cor vertigem violeta.
Hoje. De todas as cores. 

Foto: Hernan Marin