segunda-feira, 2 de junho de 2014

Pensávamos que era isso,
o amor:
água
terra
um chão onde cair é mais certo
do que ser pássaro.

Pensávamos que era isso,
o amor:
uma fina garrafa de ouro
quebrada
faca e cordeiro
de mãos dadas
a procissão ainda no adro
e o meu vestido manchado de sangue.

Nunca soubemos o que era isso,
o amor.
Por isso fomos um sapato muito apertado
para ser bailarino,
um vaso rachado a traçar mapas
nas mãos um do outro
à espera
que o caminho do esquecimento
nos abraçasse.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

sexta-feira, 4 de abril de 2014

domingo, 30 de março de 2014

sexta-feira, 28 de março de 2014

For fear of what is found there

Inscrevi-me uma vez num curso de escrita criativa. Andava há muito com a caneta enferrujada por conta de meses sucessivos de academês, pelo que decidi arriscar e mudar de ares. No final da sessão de abertura, uma rapariga franzina veio meter conversa comigo, muito lisa e resoluta, com um livro enfiado debaixo do braço. Entre cafés, cigarros e biscoitos do Lidl, disse tratar-se do seu segundo livro, que escrevera durante a gravidez e publicara logo a seguir ao nascimento da criança. Teve gémeos, portanto. “Mas não custou nada”, disse ela, “escrever é tão bom, é um alívio tão grande, e a poesia, então, é mesmo boa para desabafar”. Leu, em voz alta, versos vários, muito direitinhos e arrumados, uma poesia leve, aliviada e desabafada, um seixo solto e limpo a ser partilhado como pão. Trouxera o livro para o mostrar aos colegas e oferecer à professora, por quem tinha muita admiração e respeito.
Mais do que medir a pulsação da sua obra, fiquei presa à descrição do modo como escrevia. Admirei-lhe, acima de tudo, a coragem. Pois nestas coisas, cada um escreve como lhe dá mais jeito: uns a gaguejar sintagmas, de faca na mão, outros com a caneta embalada por suaves zéfiros. É como calha, e ninguém se dá ao luxo de escolher.
Passei o resto do curso a mastigar aquelas palavras, abstraída dos papelinhos amarelos e borrões Rorschach e a pensar no alívio que alguém consegue encontrar num sítio que tanto me assusta. Talvez na adolescência tenha achado essa leveza e evasão na poesia mas, com a sua gradual ampliação, tornou-se, para mim, um espaço difícil e travesso (logo, tão necessário). “So much depends upon a red wheel barrow”. Pois se, como o meu querido Williams o disse, todos os dias morrem pessoas – de forma miserável, ainda por cima – por lhes faltar o que na poesia se encontra, como é possível não a temer?
O curso lá terminou, comigo noutro lugar, a cara encostada à parede pela força daquele avesso trepidante, dos passos em volta, daquela tribo de irrealidades. Eu continuo continuei com a caneta enferrujada. A moça lisa arrefeceu e não chegou a entregar o livro à professora, o que me leva a crer que nisto de prosas e poesias, quanto mais sabemos, mais medo temos. E assim se alimenta muita gaveta.