Há três anos que habito o
rés-do-chão de um prédio com o elevador avariado. Todos os dias me atormenta um
vento seco que sopra no quarto, na sala, na cozinha. Várias vezes procurei a
sua origem, mas em vão. Sei que ruge aos cortinados e me esmaga a cara contra a
parede, contra o sorriso fosco dos retratos cuja sinfonia não me canta. As casas
fazem-se de cicatrizes e de memórias. Nesta, sou apenas uma sombra silenciosa que
respira baixinho, engolindo cem explosões e luminosas partículas de sol. É
talvez esta a beleza dos momentos que aqui habito: enfeitada pelo tilintar do
sorriso das crianças lá fora, alimento a mais funda e refinada solidão,
partilhada com uma mesa e uma cadeira. A confirmação do tempo sobre a pele.
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