O Facebook fez dez anos algures na semana passada. Soube-o não pelo dito cujo, mas através do ruído do costume nas notícias, pois há muito que pus os polegarzinhos de lado e me voltei a dedicar ao ponto de cruz.
Não, não me vou sentar no trono moralista e condenar o tempo que o Facebook nos devora, nem apontar o dedo à forma visceral como apela à nossa curiosidade e vaidade, até porque tudo isto é nosso, e não do pobre diabo. Falo apenas da minha própria experiência, nada mais, e do modo como a curiosidade e a vaidade me parecem murchar com o passar dos anos, paralelamente à cor dos olhos que vai ficando cinza-pardo.
Sinto, acima de tudo, uma dificuldade tremenda em me identificar quer com a sublimação imediata do quotidiano e do banal, quer com o potencial fictício virtual pós-moderno e pós-humano do “eu” que, à semelhança de tantos outros pós-, nada me dizem.
Basicamente, fartei-me. Não consigo dizê-lo de uma forma mais redondinha ou erudita, fartei-me. Fartei-me do excesso de informação e da cacofonia visual constante, fartei-me de sentir que tudo era areia a escorrer-me pelos dedos, fartei-me, sobretudo, da confusão de eixos temporais que dali veio. Isto de saber das neuras, dos almoços e dos meninos de quem fez parte da minha infância e que não tem qualquer presença na minha vida real, trocou-me toda. Para mim, há pessoas que, à semelhança de certos lugares e cheiros, marcam momentos específicos, a sua face uma âncora que estrutura uma memória de um determinado tempo. Vê-las todos os dias confunde-me, e por isso as quero no passado, não por desdém nem por falta de amor – aliás, até as amo mais por isso – mas porque não quero estar rodeada de anzóis a repuxarem-me em todas as direcções. Pior do que isso foi sentir-me, a certa altura, privada de pequenos prazeres, como por exemplo reencontrar um velho amigo na rua e ficar verdadeiramente surpreendida por o ver e por saber de si, ali, naquele preciso momento.
Não vou dizer que o Facebook cheira mal nem que usa ceroulas de malha; tampouco direi morra o Facebook, morra pim, pois sei que quando se lhe chegar a altura, outro virá, e assim sucessivamente.
Nunca fiz questão de saber tudo sobre toda a gente. Gosto que os outros sejam para mim um mistério, pois só assim tenho vontade de aprender com eles. Gosto, acima de tudo, que eu seja para mim um mistério.
Nunca cheguei a desistir dos cadernos nem das canetas de várias cores. Gosto deste mundo entalado entre o analógico e o digital, das mãos a cheirar a tinta e a carvão, do toque rugoso do papel. Gosto desta placidez pantomímica de actriz de cinema mudo que, incapaz de domesticar os seus gestos e adaptar-se ao admirável mundo novo do som, se tornou, inesperada e repentinamente, obsoleta, excessiva, escolhendo manter-se – ainda assim e por isso mesmo – exageradamente maquilhada, a mais, à parte.
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