Katarina é a tradição. Os seus vestidos carregam a memória de uma Rússia czarista e faustosa cujo orgulho espreita por entre os xailes garridos que pendura nas paredes da casa de Mlle. Chanel, desafiando-lhe(s) a frieza minimalista.
Katarina surge-nos fraca e macilenta, consumida pela tuberculose e pela relação adúltera entre Igor e Chanel que desponta, sem qualquer pudor, à sua frente. Vemo-la definhar lentamente, sob o peso da sua doença e da sua dor, tão distante da mulher-espada cuja criatividade a torna tão tentadoramente compatível com Igor.
O resultado deste duelo – entre Chanel, esguia e fulminante, e Katarina, tísica e esbranquiçada – é no entanto surpreendente. Recusando-lhe os presentes e não se deixando coleccionar, Katarina e o seu silêncio mais não fazem do que desafiar o poder que Chanel julga ter. Ainda assim, é a dignidade com que suporta o fascínio mútuo entre Igor e Chanel que faz de Katarina a verdadeira vencedora. Seria tão simples colocá-la na margem e assistir, sem peias, àquela união cósmica entre criadores colossais, mas a sua serena resistência dificulta a simpatia que normalmente se nutre pelos amores ilícitos. Mais do que um entrave, Katarina é um desassossego.
Ainda que Chanel se declare imune à doença que Igor provocou na sua esposa, é ela quem no final esmorece ao som da memória de um amor que nunca o chegou a ser. Katarina já lá não está, mas continua ali em contraponto: ambas independentes, de forma desigual, ambas fortes, em diferentes frentes, ambas simultaneamente consumidas e fortalecidas pela dependência de Igor.
Jan Kounen, Coco Chanel & Igor Stravinsky (2009)
2 comentários:
Belíssimo filme! A representação da Anna Mouglalis é absolutamente fabulosa!
Concordo; o filme é belíssimo, de formas muito diferentes: o genérico, por exemplo, é fantástico...
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