sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

fugiram-me um dia
os braços até ti
onde ficámos
deitados sobre a tarde
em que todas as lentidões
são bruscas apneias

as nossas mãos de barro
derreteram-se em cristalinas
placas tectónicas, a fingir
pássaros num desvio alado

ouves? somos nós
aqueles que trauteiam oceanos
enquanto falam
sobre sinos e visões periféricas
ao menos

fugiram-me um dia
os braços até ti
onde ficámos
suspensos
sobre um chapéu de criança
soprado ao delírio do vento

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011


It is enough to make you understand why most languages have a word like "soul." There are various degrees of death, and time spares us none of them. Yet something endures, for which a word is needed.


Ursula K. Le Guin, "The New Atlantis"

Foto: Sanna Lehto

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011


Essa linguagem é de marinheiro, mas tu não és marinheiro,
Se tenho a linguagem é como se o fosse.

José Saramago, O conto da ilha desconhecida

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Quem diria que hoje serias
bloco de grés sentado
que frágil desassossega
durante a tarde
maquinalmente
a jugular distendida
à espera
de rubras papoilas cadentes

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Jean-Luc Godard, Alphaville (1965)

sábado, 15 de janeiro de 2011

Ockham's razor

Desde os começos a Lei do Amor está escrita, mas como está, tão simples, ninguém quer.



Adélia Prado, Solte os cachorros

Há muito tempo que não sublinhava tanto um livro; agora não o posso emprestar a qualquer pessoa, é certo... A cartografia da nossa alma não se entrega assim...

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
























                                             Soy estrella y musgo

                         Me encrespo.

El poema ha llegado de mi carencia, de mi pobreza.
                                            
Hanni Ossott, “Una playa sin fin”
Foto: Joe Bonomo

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011



Por enquanto acabaram-se
as tardes de baloiço.

Suporta-se agora
um lento desencaixe
de clavícula. Tudo

o que nos resta
é o cansaço
encravado nas unhas

aguaceiro de cutículas

desfasamento ancestral de baleia
(presa, por fino arame, a sua ossada
numa firmeza de relíquia)

Se porventura nos prolongam os dedos
é por mera providência:

como resistir
a esta infecção na frase
senão pela doença?

Por enquanto plantam-se
mandrágoras debaixo da língua.

Foto: Randy Martin

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Porque escrever assim é sopa

É capaz de a psicologia ser ciência mesmo. Se for, me avisem. Tem coisas que, sabendo dizer, conferem muita importância: “a sagrada rota”, “as valquírias”. Falar comigo: seu texto é muito bom, eu não acredito, porque escrever assim é sopa. Agora, falar que é ruim, me incomoda e é capaz de eu sofrer. A poesia existe, ou é falácia, pruridos, psicologismos? Se assim for e eu descobrir, me epitafem: desgraçada, fora da graça, banida.
Adélia Prado, Solte os cachorros

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011




































E quando o poema é bom
não te aperta a mão:
aperta-te a garganta

Ana Hatherly, “Post-scriptum para Paul Celan”

sábado, 1 de janeiro de 2011


We shall not cease from exploration
And the end of all our exploring
Will be to arrive where we started
And know the place for the first time.

T.S. Eliot, "Little Gidding", Four Quartets


(Voltamos ao princípio: recomeça a viagem...)