Habito um corredor onde os relógios pararam nas 15:20. Todos os dias leio demais. A escrita vem sempre tarde, e às postas. O corredor que habito fumega de gente, homens de barba antiga, de vez em quando um rapaz daninho, muitas mulheres que por ali passam das oito às quatro, à pressa, ansiosas pelas casas com panelas de arroz agulha. Os dias pairam iguais no centro do corredor, uma bolacha redonda que se vai ruminando em volta. O caminho, esse, é só um, em frente e ao comprido. Se por acaso segue ao redor das papoilas, logo se malfada. Às vezes ataca-me como uma serpente, e mal ele sabe o quanto eu quero o seu veneno. Leio demais. A escrita não vem. Doem-me as mãos, de tanto vasculhar nas goelas dos dias. O coração bate em lugares estranhos. São três facas e uma morte à espera. Arde lenta, a tesoura nupcial, visível mas embutida no pulso. Desengane-se quem aqui procura a redenção. Perseguir ouriços mata. A escrita não vem. Valham-me os braços caravela – lá fora há-de haver vento, e as panelas têm tanto arroz.
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