sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Não diria que sou cega.
Antes me emudecem as mãos,
a sua filigrana bolorenta
do centésimo domingo.

São hóstias,
partidas em ricochete,
miosótis ou mariposas,
o que me sai da boca.

O filho, a luz,
uma palavra que nasce
dos joelhos, atrás
das feridas.

Dos filamentos,
uma hipótese com cem mil anos.
O aconchego das mandíbulas
ou talvez,
uma anáfora cintilante
contida
perfeita
imunda
como esta mão
que afaga a mácula
de todas as noites.
Há três anos que habito o rés-do-chão de um prédio com o elevador avariado. Todos os dias me atormenta um vento seco que sopra no quarto, na sala, na cozinha. Várias vezes procurei a sua origem, mas em vão. Sei que ruge aos cortinados e me esmaga a cara contra a parede, contra o sorriso fosco dos retratos cuja sinfonia não me canta. As casas fazem-se de cicatrizes e de memórias. Nesta, sou apenas uma sombra silenciosa que respira baixinho, engolindo cem explosões e luminosas partículas de sol. É talvez esta a beleza dos momentos que aqui habito: enfeitada pelo tilintar do sorriso das crianças lá fora, alimento a mais funda e refinada solidão, partilhada com uma mesa e uma cadeira. A confirmação do tempo sobre a pele.