Inscrevi-me uma
vez num curso de escrita criativa. Andava há muito com a caneta enferrujada por conta de meses sucessivos de academês, pelo que decidi arriscar e mudar de
ares. No final da sessão de abertura, uma rapariga franzina veio meter conversa
comigo, muito lisa e resoluta, com um livro enfiado debaixo do braço. Entre cafés,
cigarros e biscoitos do Lidl, disse tratar-se do seu segundo livro, que
escrevera durante a gravidez e publicara logo a seguir ao nascimento da
criança. Teve gémeos, portanto. “Mas não custou nada”, disse ela, “escrever é
tão bom, é um alívio tão grande, e a poesia, então, é mesmo boa para
desabafar”. Leu, em voz alta, versos vários, muito direitinhos e arrumados, uma
poesia leve, aliviada e desabafada, um seixo solto e limpo a ser partilhado
como pão. Trouxera o livro para o mostrar aos colegas e oferecer à professora,
por quem tinha muita admiração e respeito.
Mais do que medir a pulsação da sua obra,
fiquei presa à descrição do modo como escrevia. Admirei-lhe, acima de tudo, a
coragem. Pois nestas coisas, cada um escreve como lhe dá mais jeito: uns a
gaguejar sintagmas, de faca na mão, outros com a caneta embalada por suaves
zéfiros. É como calha, e ninguém se dá ao luxo de escolher.
Passei o resto do curso a mastigar
aquelas palavras, abstraída dos papelinhos amarelos e borrões Rorschach e a
pensar no alívio que alguém consegue encontrar num sítio que tanto me assusta.
Talvez na adolescência tenha achado essa leveza e evasão na poesia mas, com a sua
gradual ampliação, tornou-se, para mim, um espaço difícil e travesso (logo,
tão necessário). “So much depends upon a red wheel barrow”. Pois se, como o meu
querido Williams o disse, todos os dias morrem pessoas – de forma miserável, ainda por cima – por lhes faltar o que na poesia se encontra, como é
possível não a temer?
O curso lá terminou, comigo noutro
lugar, a cara encostada à parede pela força daquele avesso trepidante, dos
passos em volta, daquela tribo de irrealidades. Eu continuo continuei
com a caneta enferrujada. A moça lisa arrefeceu e não chegou a entregar o livro
à professora, o que me leva a crer que nisto de prosas e poesias, quanto mais sabemos,
mais medo temos. E assim se alimenta muita gaveta.
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